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quinta-feira, 27 de junho de 2013

Baltasar Merino, um botânico nas florestas da Galiza

Baltasar Merino (1845 - 1917)

Natural de Lerma (província de Burgos, Espanha), o sacerdote jesuíta Baltasar Merino passou uma grande parte da sua vida na Galiza, onde desenvolveu um intenso labor em diversos campos científicos. Ingressou na Companhia de Jesus aos quinze anos de idade. Ao terminar seus estudos de filosofia, foi enviado à Havana, onde ensinou retórica durante três anos. Morou mais tarde em Baltimore (Maryland, Estados Unidos), onde estudou teologia. Após a ordenação, foi destinado ao seminário de Porto Rico, mas seus problemas de saúde impediram-no de seguir a viver na região antilhana. Foi então transferido para um colégio da vila da Guarda (provincia de Pontevedra), onde residiria até sua morte. Lá dedicou-se a ensinar química, física, meteorologia e botânica. Nestas duas últimas disciplinas científicas realizou importantes contributos como pesquisador.
 

Uma página da Flora descriptiva e ilustrada de Galicia, de Baltasar Merino

Merino é lembrado principalmente por suas pesquisas no campo da botânica. Durante anos percorreu sistematicamente o território galego para identificar e classificar numerosas espécies vegetais, muitas das quais foram catalogadas pela primeira vez por ele nesta zona geográfica. Entre 1905 e 1909 foi editada em três volumes sua obra mais importante, Flora descriptiva e ilustrada de Galicia. O Real Jardim Botânico de Madrid publicou uma edição digital íntegra desse extenso trabalho. A mesma instituição recuperou outros estudos de Merino sobre a flora galega: Algunas plantas raras que crecen espontáneamente en las cercanías de La Guardia (1895), Contribución a la flora de Galicia (1897-1904) e Adiciones a la flora de Galicia (1917).
 
Floresta da Devesa da Rogueira (Foto: Descubrelugo.com)

Entre os méritos científicos de Baltasar Merino figura o fato de ter sido o primeiro pesquisador que resaltou o excecional valor da floresta da Devesa da Rogueira, na Serra do Courel, hoje considerada como um dos mais importantes santuários da biodiversidade da Galiza. Neste espaço de apenas duzentas hectares de extensão, nas abas do monte Formigueiros (de 1.643 metros de altura), convivem centenas de espécies vegetais, entre as quais há muitas variedades que raro se encontram no noroeste da Península Ibérica. Merino descreveu-a como «aquela
 selva que, contando séculos de vida, conservava como novas as galas da sua primeira idade». Em 2010, a Universidade de Santiago de Compostela criou nas cercanias desta floresta a Estação Científica do Courel. Surpreendentemente, apesar de seu caráter único, o governo autônomo da Galiza nunca mostrou nenhum interesse pela conservação e proteção deste espaço natural.

quarta-feira, 19 de junho de 2013

Cavernas no límite das geleiras da Serra do Courel (Galiza)

Exploração da caverna da Tara
Em 2009, o clube espeleológico Maúxo, com sede em Vigo, e o Instituto de Geologia Isidro Parga Pondal, da Universidade da Corunha, editaram a brochura As grandes covas do Courel, que recolhe pesquisas realizadas ao longo de quatro anos em diversas cavernas cársticas desta serra do leste da Galiza, caraterizada por uma grande diversidade geológica e biológica. A publicação descreve as principais caraterísticas de quatro cavernas calcárias: Arcóia, Pena Paleira, Rio Pérez e Tara. Todas elas encontram-se no límite das geleiras que existiram durante o Pleistoceno nas zonas mais altas da serra.


Concreções calcárias na caverna de Arcóia
O estudo científico destas cavidades, cuja formação está associada aos processos de drenagem das antigas massas de gelo, começou em tempos muito recentes. Algumas delas foram descobertas em 1993 e 2007. Na publicação catalogam-se os diversos tipos de espeleotemas que os espeleólogos e geólogos puderam observar neste conjunto de grutas: estalactites, estalagmites, antiestalagmites, helictites, escorrimentos, gours, calcitas flutuantes, coralóides...


Estalagmite de Arcóia (seção)
O Instituto de Geologia Isidro Parga Pondal, em colaboração com a universidade estadunidense da Geórgia, está a utilizar estalagmites extraídas da caverna de Arcóia em um projeto de investigação cujo fim é obter um registo dos climas pré-históricos das montahas da Galiza. Essa informação consegue-se analisando os isótopos de carbono e oxigênio que ficam encerrados no interior destes espeleotemas durante o seu lento processo de formação. Com esta técnica é possível determinar as condições de umidade e temperatura que se davam na região há milhares de anos. Em uma primeira tentativa obteve-se uma sequência de dados climáticos que se estende desde há 14.000 anos —por finais da última glaciação— até à época atual. Agora estão a realizar-se análises com um fragmento de uma estalagmite de maior tamanho, e portanto muito mais antiga, das quais se pretende extrair dados dos últimos 235.000 anos. Os pesquisadores já identificaram nesta estalagmite as pegadas de sete etapas bioclimáticas diferentes.

As geleiras pré-históricas deixaram muitas outras pegadas na Serra do Courel, como a lagoa de Lucenza, situada 1.400 metros acima do nível do mar.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

Galaicodytes caurelensis, uma testemunha da deriva dos continentes na Serra do Courel (Galiza)

Galaicodytes caurelensis
Em 1997, o biólogo José María Salgado, professor da Universidade de Leão, descobriu um inseto de uma espécie desconhecida na Cova do Eixe, uma caverna cárstica da Serra do Courel. A nova espécie foi estudada e classificada com a colaboração de Vicente Ortuño, catedrático da Universidade Autônoma de Madrid e especialista em carábidos. A descoberta foi dada a conhecer em 2000 em um trabalho publicado pelo European Journal of Entomology. A espécie, denominada Galaicodytes caurelensis pelos seus descobridores, constitui também um novo gênero zoológico.
O Galaicodytes caurelensis é um coleóptero de entre 4,5 e 4,7 milímetros de comprimento, desprovido de olhos e de asas, que se orienta com as antenas e vive a maior parte do tempo nas fendas das rochas. Como a maioria dos cárabidos, é um predador que se alimenta de insetos vivos.

Pouco tempo atrás, o entomólogo alemão Thorsten Assmann descobrira na vizinha Serra dos Ancares uma espécie de coleóptero que denominou Galiciotyphlotes weberi, cuja descrição coincide com a do Galaicodytes caurelensis. Acredita-se que as duas descrições correspondem a um único inseto. Assman inclui esta espécie na tribo Perigonini, enquanto Salgado e Ortuño a classificaram na tribo Platynini. Porém, Assmann utilizou para a sua caraterização um único exemplar macho. Salgado e Ortuño estudaram três exemplares, machos e fêmeas, de modo que a sua descrição é mais completa. Outros especialistas consideram mais plausível a pertença da espécie à tribo Platynini, pois a distribuição geográfica dos Perigonini torna menos provável a sua presença de forma natural na Península Ibérica

Desenho do G. caurelensis por Xan G. Muras
O especial interesse científico do Galaicodytes caurelensis reside no seu caráter de espécie relicta e de testemunho vivente das antigas condições biogeográficas. É a única espécie cavernícola conhecida da tribo Platynini na região paleártica ocidental. As outras espécies desta tribo que vivem no subsolo foram descritas em áreas geográficas muito distantes: Japão, Taiwan, Papua-Nova Guiné, Havaí, sul dos Estados Unidos, México, Guatemala e Venezuela. Segundo Salgado e Ortuño, o Galaicodytes caurelensis apresenta mais afinidades morfológicas com as espécies norte-americanas dessa tribo —concretamente, as que pertencem aos gêneros Rhadine e Tanystoma— do que com as espécies da América do Sul e do Pacífico. Ao seu juízo, a espécie ibérica e os seus parentes longínquos da região neoártica procedem de um ancestro comum que se estendeu durante o Cretáceo Inferior pelos atuais territórios da América do Norte e a Europa. A presença deste inseto nas montanhas da Galiza, portanto, seria mais uma prova da deriva continental, indicando a existência de uma relação biológica direta entre a América do Norte e a Europa em tempos remotos. De acordo com esta hipótese, outras espécies do mesmo grupo que possivelmente viveram no atual território europeu extinguiram-se devido às mudanças climáticas de finais do Cenozoico e do Pleistoceno.

   O designer gráfico e fotógrafo Xan G. Muras criou um desenho inspirado nesta rara espécie para ser utilizado como símbolo do património natural da Serra do Courel, um dos territórios de maior biodiversidade da Galiza. Este emblema é comercializado em camisetas estampadas

  

terça-feira, 30 de abril de 2013

Fósseis da Era Paleozoica nas ruínas do castelo de Carbedo (Serra do Courel, Galiza)


Ruínas do castelo de Carbedo (Foto Roi Fernández)
 As ruínas do lendário castelo de Carbedo sempre foram um dos lugares mais emblemáticos e populares da Serra do Courel, no extremo leste da Galiza. Muito menos conhecido é o fato de que ao pé da antiga fortaleza —construída em algum momento incerto da Baixa Idade Média— se conservam testemunhos de épocas incomparavelmente mais velhas. As rochas em que se assenta o castelo contêm fósseis de pequenos animais que viveram no Cambriano Inferior, há entre 530 e 515 milhões de anos.
  
Antiga moeda de 100 pesetas sobre rastos de arqueociatos
  A descoberta destes fósseis não é nova, mas é praticamente desconhecida fora dos círculos científicos. A existência da jazida foi dada a conhecer em um estudo dos geólogos Thilo Bechstädt e A. Russo publicado na Revista de la Sociedad Geológica de España em 1994. O castelo de Carbedo é mencionado erroneamente neste estudo como Carredo. Este não é o único lugar da serra onde os pesquisadores acharam pegadas biológicas dessa fase do Paleozoico. O trabalho de Bechstädt e Russo apresenta os resultados de uma investigação realizada na zona situada entre as localidades de Visunha e Pedrafita do Courel, onde aflora a chamada Formação Vegadeo, um vasto conjunto de rochas calcárias e dolomíticas que foi identificado pela primeira vez pelo geólogo francês Charles Barrois no século XIX. Os autores do estudo também descobriram fósseis do mesmo tipo perto das aldeias de Moreda e Visunha.

Alguns tipos de arqueociatos (Wikimedia Commons)
Os fósseis encontrados nestes lugares não são muito reconhecíveis à primeira vista, já que eles não têm conchas, pinças ou outras estruturas que permitam distingui-los com facilidade. Alguns deles são arqueociatos, uns pequenos animais de forma cónica ou cilindro-cónica e vários centímetros de comprimento que alguns cientistas incluem na família dos poríferos ou esponjas, enquanto para outros constituem um grupo separado. Estas criaturas estavam presentes em grande parte do planeta e seus fósseis foram localizados em todos os continentes. Apesar dessa expansão, já estavam extintos no Cambriano Médio, entre dez e quinze milhões de anos depois de terem aparecido.
    Os outros fósseis presentes na jazida pertencem ao grupo dos calcimicróbios, uns organismos microscópicos que se agrupavam em grandes colônias, formando os recifes de coral mais antigos que se conhecem. Tal como acontece na Serra do Courel, os arqueociatos e os calcimicróbios aparecem normalmente associados nos depósitos fossilíferos dessa época. Tudo indica que esses organismos viviam em plataformas de águas rasas —charcas ou lagoas— localizadas nas margens continentais. Os arqueociatos são de particular interesse para os cientistas porque eles experimentaram grandes transformações evolutivas —o que ajuda a reconhecer as diferentes fases bioclimáticas que ocorreram durante esse período geológico— e seus fósseis são muito úteis para determinar onde estavam os limites dos antigos continentes  e mares. Sua presença no castelo de Carbedo indica que, embora este lugar fique agora a 930 metros acima do nível do mar, as rochas em que assenta se formaram nas margens do oceano. Durante o Cambriano Inferior, grande parte das terras emergidas estavam agrupadas no supercontinente Gondwana. Os terrenos que atualmente constituem a Serra do Courel estavam no extremo norte dessa antiga massa continental.
   
Sinclinal do Courel (Foto Alberto López)
 Os fósseis de Carbedo pertencem a uma época muito mais antiga que aquela que viu nascer o monumento geológico mais conhecido e espetacular da Serra dol Courel, o grande sinclinal de Campodola-Leixazós. Esta estrutura configurou-se durante o Carbonífero, há entre 324 e 305 milhões de anos. Os quartzitos e as ardósias que o compõem datam do Ordoviciano (488-468 milhões de anos). Nas primeiras fases do Cámbrico, o período que precedeu ao Ordoviciano, produziu-se a grande explosão biológica, isto é, a rápida aparição —em termos de tempo geológico— de uma enorme quantidade de organismos multicelulares complexos. Ainda não se encontrou uma explicação unificada para esta multiplicação das espécies, que mudou a história da evolução.


sábado, 27 de abril de 2013

Um guia das aves da Serra do Courel (Galiza)

Melro-das-rochas ou melro-ruivo (Monticola saxatilis)


Em 2004, a editora Lynx Edicions publicou o primeiro guia ornitológico da Serra do Courel, um dos territórios de maior biodiversidade da Galiza. A obra (disponível unicamente em espanhol) baseia-se em pesquisas realizadas por cientistas das universidades galegas ao longo de várias décadas e cataloga 114 espécies de aves em um território de dimensões relativamente pequenas. A Serra do Courel abrange uma superfície de 21.020 hetáreas que se estende principalmente pelos concelhos de Folgoso do Courel, Quiroga, Pedrafita do Cebreiro e Samos. Porém, o guia cinge-se basicamente ao primeiro destes municípios, com uma área de apenas 68,16 quilómetros quadrados. Este limitado espaço geográfico acolhe uma avifauna extremamente variada que compreende algumas espécies pouco comuns.





Sylvia communis
Motacilla cinerea

As aves da Serra do Courel vivem em nove tipos principais de habitat: 1) Rios e margens 2) Rochedos 3) Aldeias e terras de lavoura 4) Soutos (matas de castanheiros) 5) Devesas (nome local para um tipo caraterístico de bosque de montanha em que convivem diversas espécies de árvores) 6) Urzais 7) Reboleiras (matas de rebolo ou Quercus pyrenaica) 8) Azinhais e espinhais 9) Pinhais



Galinhola (Scolopax rusticola)

No território do Courel, que representa apenas um 0,8% da superfície total da Galiza, está presente a maior parte das aves galegas, excetuando as espécies marinhas e as próprias das zonas úmidas. Entre elas figuram várias espécies em perigo de extinção, como o bufo-real (Bubo bubo), a águia-real (Aquila chrysaetos) e a perdiz-cinzenta (Perdix perdix), denominada charrela na Galiza.


O livro, de 150 páginas, contém fichas descritivas de todas as espécies de aves catalogadas na Serra do Courel, com nomenclaturas em espanhol, galego e inglês e uma série de ilustrações à aquarela. A obra descreve também seis itinerários pedestres pelos locais mais apropriados para a observação das aves. 



O título original da obra é Guía de las aves de O Caurel. A grafia oficial do topônimo é Courel, mas a forma alternativa Caurel (hoje mais usual na língua falada) está também documentada desde antigo.





segunda-feira, 1 de abril de 2013

Sinclinal da Serra do Courel, um monumento geológico de 305 milhões de anos na Galiza


O sinclinal visto da estrada de Quiroga a Folgoso (Foto Alberto López)
A Serra do Courel, um dos espaços naturais mais importantes da Galiza (embora com graves problemas de conservação), possui um património geológico de excecional interesse. Neste território montanhoso de pouco mais de 21.000 hetáreas de extensão, pertencente às serras orientais da Galiza, concentra-se a terça parte das paragens galegas incluídas na lista Global Geosites, um inventário de locais geológicos de relevância mundial elaborado pela União Internacional das Ciências Geológicas. Dentro deste património ocupa um lugar proeminente o sinclinal do Courel, também chamado sinclinal de Campodola-Leixazós. 

A Serra do Courel no mapa de Domingo Fontán (1845)
   O sinclinal do Courel figura entre os grandes monumentos geológicos da Península Ibérica, mas não foi reconhecido como tal até tempos recentes. Em 1983, o Instituto Geológico e Mineiro de Espanha promoveu a sua classificação como ponto de interesse geológico internacional e em maio de 2012 a Junta da Galiza aprovou a sua declaração como monumento natural. Constitui um exemplo típico do que se conhece como dobra deitada ou recumbente. É uma dobra cuja concavidade esteve inicialmente voltada para cima mas que por efeito das forças tectônicas se foi inclinando até adotar uma posição mais ou menos horizontal.
 
Vista da dobra no miradouro de Campodola (Foto Alberto López)
A estrutura geológica emerge entre os quilómetros 7 e 28 da estrada LU-651, do norte da vila de  Quiroga até a aldeia de Ferreirós de Abaixo, no concelho de Folgoso do Courel. A seção mais espetacular da dobra acha-se à altura do quilómetro 9 da dita estrada, no vale do rio Ferreirinho (em território do concelho de Quiroga), sobranceando as aldeias de Campodola e Leixazós. Nesse local encontra-se a charneira, o ponto de máxima curvatura da dobra. A erosão cortou longitudinalmente o cordão montanhoso e deixou ao descoberto a estrutura interna do sinclinal, que se enxerga aqui con uma precisão incomum. Os flancos ou metades paralelas da estrutura estendem-se para o norte ao longo de entre dez e doze quilómetros.  

Sinclinal do Courel e anticlinal do Piornal (Univ. de Oviedo)
   Por cima desta formação existiu uma outra dobra de similar tamanho, orientada em direção inversa: o anticlinal do Piornal, cujo flanco superior foi arrasado quase completamente pela erosão, mas do qual ficam pegadas ao sul desta paragem, na comarca de Valdeorras. Em realidade, o sinclinal do Courel é apenas a porção  mais visível de uma grande estrutura de mais de cem quilômetros de longitude que chega até mais a leste do alto do Morredero, nos Montes Aquilanos (na província de Leão, já fora da Galiza).

História geológica da Galiza (Museu de Geologia de Quiroga)
Uma longa investigação realizada em tempos recentes por geólogos e matemáticos do grupo  de análise de dobras geológicas da Universidade de Oviedo indica que o sinclinal do Courel se formou no período Carbonífero, há entre 324 e 305 milhões de anos. Este processo desenvolveu-se durante a primeira fase da orogenia varisca ou hercínica e desde então o sinclinal permaneceu praticamente inalterado na mesma posição em que se encontra hoje. Os movimentos da crusta terrestre que originaram a grande dobra estão associados à colisão de duas antigas massas continentais, Gondwana e Euramérica (ou Laurussia), que acabariam por se unir para formar o supercontinente Pangeia. Foi nessa época que emergeu do oceano o Maciço Hespérico, o território mais antigo da Península Ibérica. Por esta razão, o geólogo Juan Ramón Vidal Romaní tem proposto que o sinclinal seja considerado como um testemunho genuíno do nascimento da Galiza.
   
Estratos rochosos do sinclinal (Foto Alberto López)
As diferentes camadas de rochas que constituem a dobra na sua parte mais visível (ardósia e quartzito, mais exatamente quartzito armoricano) formaram-se em épocas mais remotas, em diversas fases do Ordoviciano. Os quartzitos datam do Ordoviciano Inferior (488-478 milhões de anos) e as ardósias, do Ordoviciano Médio (471-468 milhões de anos). A grande dureza dos quartzitos não impediu que os movimentos tectônicos comprimissem e dobrassem os estratos rochosos como se fossem pacotes de plasticina.
  
Formação de dobras

A enorme pressão que sofreram as massas rochosas nesse lento processo fez com que aquecessem a mais de 300 graus centígrados, adquirindo uma considerável elasticidade. As rochas que conformam a zona norte da dobra pertencem a outros períodos geológicos mais recentes: o Siluriano (443-416 milhões de anos) e o Devoniano (416-359 milhões de anos). Estudos realizados pelo geólogo José Ramón Martínez Catalán e outros investigadores sugirem que a formação destas dobras foi condicionada pela existência de falhas que estiveram ativas nesta parte da crusta terrestre durante o Ordoviciano.


Conodonte do período Siluriano achado no sinclinal
  As rochas que conformam o sinclinal, aliás, contêm rastos biológicos da Era Paleozoica. O geólogo e paleontólogo Juan Carlos Gutiérrez-Marco descobriu na zona fósseis de conodontes e outras espécies do Siluriano, algumas delas não identificadas até então. Trata-se obviamente de fauna marinha, a única existente nessa era geológica, quando os terrenos que hoje constituem as montanhas do leste da Galiza faziam parte da plataforma continental de Gondwana, no hemisfério sul.

Bosquejo do sinclinal (margem direita do rio Ferreirinho) realizado por Matte
Os primeiros cientistas que descreveram esta formação foram o alemão  Wynfrith Riemer e o francês Philippe Matte, quem foi assesorado e apoiado nas suas pesquisas pelo geólogo galego Isidro Parga Pondal.  Matte incluiu alguns desenhos do sinclinal em um estudo publicado em 1968 e comparou esta estrutura con as dobras deitadas dos Alpes Valaisanos, no sul da Suíça. Formações deste tipo vêem-se também na cordilheira dos Pireneus e em outras partes do mundo, mas muito raramente apresentan um tamanho comparável ao do sinclinal do Courel, podendo ao mesmo tempo ser percebidas com tanta nitidez.

Área declarada monumento natural

 
Zona de proteção
A área declarada monumento natural, de arredor de noventa hetáreas de extensão, situa-se na margem esquerda do rio Ferreirinho, em uma zona conhecida como Penas das Franzas e Pena Falcoeira. Mas a formação geológica também se avista na margem esquerda do vale fluvial, no monte chamado Penas dos Conventos (ou Recoxois), por onde corre a estrada de Quiroga a Folgoso do Courel. O fato de a zona de proteção não se ter estendido a essa parte da dobra (que não é visível da estrada) tem provocado alguns protestos públicos.





Miradouro geológico de Campodola (Foto Alberto López)
Miradouro de Campodola
Para facilitar a observação do sinclinal e para o valorizar como atração turística e como recurso educacional, a câmara municipal de Quiroga construiu em 2004 un miradouro à altura do quilómetro 9,5 da estrada LU-651, perto de um desvio que leva à aldeia de Campodola. É o primeiro miradouro da Galiza construído expressamente para observar um monumento geológico e permite contemplar a dobra em uma vista panorâmica de mais de dois quilómetros de extensão. As rochas de tons  mais claros são quartzitos. Os estratos mais escuros e cobertos de vegetação são consituídos de arenitos e ardósias. O miradouro foi construído com arenitos e quartzitos do período Cambriano. 

Museu geológico
O museu municipal de geologia e paleontologia de Quiroga, inaugurado en 2011, reserva uma das suas seções ao sinclinal do Courel. Outras salas do museu dedicam-se às pegadas geológicas da última glaciação, à fauna do Quaternário, aos povoamentos paleolíticos e à atividade mineira desenvolvida neste território desde os tempos do Império Romano.

Rota de pedestrianismo
Uma rota pedestre que une as aldeias de Leixazós, Campodola e Campos de Vila corre mesmo ao pé da parte mais espetacular da grande dobra.

sexta-feira, 8 de março de 2013

«Tempo», imagens de um ano inteiro na vida da Serra do Courel



  
   

     Em 23 de novembro de 2012 veio ao mundo Clara, o primeiro bebê nascido na aldeia de Froxán (Serra do Courel, Galiza) em 28 anos. Por esses dias começou a rodagem de Tempo, um documentário do fotógrafo e realizador audiovisual Manuel Valcárcel que continuará a ser filmado durante os próximos meses. O primeiro ano de vida da criança é o fio condutor do filme, que pretende recolher tudo quanto vai acontecendo no seu entorno mais próximo. O processo de produção poderia concluir no verão de 2014. Mas uma parte do trabalho feito até agora pode ser vista no site www.tempodocumental.com, inaugurado em 7 de março. O que se oferece no site é um teaser que condensa as imagens gravadas durante o primeiro trimestre de filmagem. Nos próximos meses irão sendo publicados outros resumos à medida que o projecto for avançando.
       
    Segundo o diretor, o eixo argumental de Tempo é o contraste entre a vida e a morte: «De um lado está a menina, que representa a vida que começa e que é como um símbolo de esperança e de futuro, e do outro lado está a parte da morte, ou seja, o envelhecimento e a despopulação do mundo rural e a degradação ambiental que sofre este território». E como testemunha de todos estes processos, o mundo natural da Serra do Courel, que ocupará um importante espaço na história.
    
     Valcárcel aponta por outro lado que o documentário não conterá explicações nem entrevistas, pois pretende que as imagens falem por si mesmas: «Não quis fazer uma denúncia direta dos problemas do mundo rural, mas mostrar as pessoas na a sua vida cotidiana e o mundo em que vivem, sem acrescentar nenhum comentário da nossa parte. Haverá conversas, mas serão as que mantêm os moradores entre si, as conversas que se podem ouvir num dia qualquer».


    O diretor do filme espera que Tempo seja compreensível para espectadores de qualquer país e qualquer ambiente cultural, «porque o que se vai ver são coisas que acontecem em todo o mundo, embora a paisagem e alguns detalhes sejam diferentes». Tal como foi concebido o projeto, o processo de filmagem dependerá muito do que for acontecendo nos próximos meses neste território, pois os autores querem refletir tudo quanto condiciona a vida diária de seus habitantes. «Já temos previsto rodar algumas coisas, mas outras são totalmente fortuítas e não dependem de nós, como as nevadas, que neste inverno foram muito intensas na serra», diz Valcarce. Ou como o temporal Gong, que em janeiro passado provocou um desabamento de terras e cortou durante quase 24 horas a principal estrada do Courel, um episódio que também aparecerá no filme.


   A captura de imagens é feita com uma câmera reflex digital. Na filmagem utiliza-se também um ortocóptero fornecido pela empresa Aeromedia que recolhe a vista de pássaro as espetaculares paisagens do Courel. Os autores recorrem ao time-lapse para mostrar as mudanças que experimenta o meio natural da serra ao longo das estações e servem-se com frequência do travelling para acentuar a sensação de movimento e conseguir que «as paisagens não sejam uma coleção de fotografias». A equipe técnica reduz-se ao próprio diretor, a assistente de direção Sara Álvarez, o ténico de som Alejandro García e Alejandro González, que compõe a trilha sonora, mas contam com o apoio de diversos parceiros.


  Publicado originalmente em La Voz de Galicia, 7 de março de 2013