As pesquisas realizadas na área desde 2006 sugerem que a presença dessas jazidas está relacionada com o papel fulcral que parece ter desempenhado o vale de Lemos nos movimentos dos grupos nômades de
caçadores-coletores do Paleolítico no noroeste da península. Um estudo publicado em 2011 no livro
To the West of Spanish Cantabria apresenta uma hipótese segundo a qual este território constituiu um importante cruzamento de caminhos durante o
Pleistoceno Médio e o Pleistoceno Superior. Conforme indicam os estudos realizados com
ferramentas SIG sobre as rotas naturais com menor custo do noroeste da península, a depressão de Monforte está estrategicamente localizada na entrada dos corredores provenientes da parte ocidental da
Meseta Central ibérica e funciona como um ponto nodal a partir do qual múltiplos caminhos divergem em diferentes direções. Esta condição de encruzilhada explica-se pela singular situação geográfica do território. De um lado, o vale de Lemos, com uma altitude média de 290 metros acima do nível do mar, está emoldurado pelos principais sistemas fluviais do noroeste ibérico, os dos rios
Minho e
Sil, que em grande parte condicionam as vias naturais de trânsito em toda a região. Ambos os rios fluem ao longo de vales profundos que seguem o curso de antigas
falhas tectônicas abertas em áreas onde predominam as superfícies de granito e que impedem o acesso às zonas ocidental e setentrional do território galego.
O
vale do Minho funciona como um caminho natural que conecta diretamente esta região do interior com a costa do Oceano Atlântico. Seguindo o curso do rio, em torno da cidade de
Ourense, existe um notável conjunto de jazidas do Paleolítico Inferior ao ar livre, situadas nas localidades de
Pazos,
A Piteira e A Chaira. Outras evidências arqueológicas deste período foram descobertas em torno do curso baixo do Minho, no sudoeste da Galiza, nas jazidas de
Porto Maior e
Gândaras de Budinho e em alguns
terraços fluviais perto da foz do rio. Também foi registada a presença de indústrias do Paleolítico na costa de Portugal –no concelho de
Caminha–, muito perto desta zona.
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Prospecção arqueológica em Quiroga (foto Alberto López - La Voz de Galicia) |
O
vale do Sil é outro grande corredor que liga o interior da Galiza com a parte ocidental da Meseta Central. No setor oriental deste vale fluvial registaram-se alguns achados isolados de artefatos líticos, no concelho de
Quiroga e na comarca de
Valdeorras. Há também registros de indústrias do Paleolítico a oeste da Meseta, em diversas áreas localizadas ao longo desta via natural. Em jazidas superficiais sitas nos terraços fluviais do
rio Bernesga foram encontrados artefatos que apresentam semelhanças com as indústrias do Paleolítico Inferior do vale de Lemos. O Sil constitui aliás uma importante barreira natural que corta o acesso às regiões ocidentais da Galiza, pois corre por
canhões profundos em grande parte do seu curso. A área de confluência com o
rio Lor –tributário do Sil– e a borda oriental do vale de Lemos, onde as encostas são muito menos pronunciadas, oferecem uma via alternativa que permite ultrapassar este obstáculo. Outro corredor natural sobe do
Vale do Douro –em Portugal–, cruzando as depressões de
Verim e
Maceda, e permite atravessar o Sil por algumas passagens estratégicas situadas a sul de Monforte de Lemos.
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Escavações na caverna da Valinha (foto César Llana) |
Os pesquisadores apontam, além disso, que a depressão de Monforte está situada no limiar de um corredor formado por uma série de bacias de origem
terciária que corre em direção norte-sul entre as
serras orientais da Galiza e as
peneplanícies graníticas do interior. Esta outra via natural conduz ao litoral do
mar Cantábrico. Ao longo deste corredor encontram-se várias jazidas do Paleolítico Superior, entre as quais se destacam as do
monte de Valverde (Monforte de Lemos) e da
caverna da Valinha (concelho de
Castroverde). Vestígios arqueológicos importantes do mesmo período também são conhecidos em vales próximos a este corredor natural, como as jazidas de
Cova Eirós (concelho de
Triacastela) e de alguns abrigos rochosos na zona do
Valadouro. Na costa cantábrica existem diversas jazidas do Paleolítico que igualmente podem estar relacionadas com esta rota, como
Louselas (concelho de
Ribadeo, Galiza),
Cabo Busto,
Bañugues e
Paredes (
Astúrias). Outra via natural pode ter comunicado a depressão de Monforte com o vale do
rio Ulha, passando pelo extremo norte da
Serra do Faro. Porém, até agora só é conhecida uma jazida do Paleolítico Inferior que pode estar vinculada a este corredor. Foi descoberta em 2008 na aldeia de
Pedras, localizada em uma pequena bacia do concelho do Savinhão, a dois quilômetros do curso do Minho.
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Indústria lítica de Monforte (foto Alberto López - La Voz de Galicia) |
Essa condição de encruzilhada do vale de Lemos parece ter persistido até nos
períodos mais frios do Pleistoceno, quando grandes regiões da península e da Europa ficaram despovoadas. Estudos
geomorfológicos e
paleoclimáticos indicam que a depressão de Monforte e o vale do Sil, graças à sua baixa altitude, gozaram durante os períodos glaciais de umas condições climáticas menos rigorosas do que os territórios vizinhos, pelo qual poderiam ter servido como
áreas de refúgio. A descoberta em Monforte de uma jazida do período
Solutreano –a única conhecida até hoje na Galiza– prova que este território albergou grupos humanos durante o
Último Máximo Glacial.
A cronologia das ocupações humanas ao longo destas rotas naturais é por enquanto difícil de estabelecer, devido à falta de
datações absolutas. Os vestígios arqueológicos encontrados nesses corredores são jazidas de superfície, descontextualizadas e desprovidas de fósseis, o que não permite realizar
datações radiométricas. As únicas indústrias do Paleolítico Inferior similares às da depressão de Monforte que foi possível datar no norte da península foram descobertas na jazida de
Trinchera Galería, na
Serra de Atapuerca, e atribui-se-lhes uma antiguidade de perto de 450.000 anos.