As biografias de Bertrand du Guesclin (Beltram Gwesklin em bretão), chamado Águia da Bretanha e Dogo Negro da Brocelianda, não costumam mencionar o fato de que por um curto período, ao menos nominalmente, foi senhor de um dos mais importantes condados da Galiza medieval. Em 1366, Du Guesclin —um dos personagens mais célebres da Guerra dos Cem Anos— foi nomeado conde de Lemos, mas tudo indica que em nenhum momento chegou a governar o condado. Este pouco conhecido episódio é mencionado por alguns historiadores galegos, como Germán Vázquez e Eduardo Pardo de Guevara, quem o qualifica de «breve e confuso capítulo da história do condado de Lemos».
Fortaleza condal e mosteiro de Monforte de Lemos (Foto Alberto López) |
A nomeação de Bertrand du Guesclin como conde de Lemos produziu-se no contexto de uma longa guerra civil entabulada no século XIV pela posse da coroa de Castela, à qual estava submetido o Reino da Galiza desde o reinado de Fernando III. A guerra enfrentava os partidários do rei Pedro I, o Cruel e de seu meio-irmão Henrique de Trastâmara. Este último, que acabou por ocupar o trono e reinou com o nome de Henrique II, teve um importante apoio nas tropas mercenárias de Du Guesclin, caraterizadas por uma grande eficácia militar e uma ferocidade extrema. Quando o caudilho bretão foi nomeado conde de Lemos, no entanto, não era o único que ostentava essa dignidade, e a guerra em que tomava parte estava longe de ser ganhada. Nesse mesmo ano, Pedro I outorgou o mesmo título (que ainda não era hereditário nessa altura) ao nobre galego Fernando Ruiz de Castro, um dos mais importantes partidários que teve ao longo do conflito. Fernando Ruiz de Castro era filho do anterior conde de Lemos —Pedro Fernández de Castro, chamado o da Guerra— e meio-irmão de Inês de Castro, a famosa rainha morta de Portugal. Sua ajuda foi especialmente útil a Pedro I quando se refugiou na Galiza depois de ser derrotado em Sevilha pelas tropas de Henrique e Bertrand du Guesclin.
Batalha de Nájera segundo uma miniatura das crónicas de Jean Froissart |
O curso da guerra, inicialmente favorável a Henrique de Trastâmara, pareceu mudar em 1367, quando Pedro desbaratou o exército do seu adversário na batalha de Nájera com o auxílio de tropas inglesas sob o comando do Príncipe Negro. Porém, o conflito deu mais tarde um novo giro e Henrique alcançou uma vitória definitiva em 1369 na batalha de Montiel. Depois de ser derrotado, ao que parece, Pedro I morreu em um forcejo com seu meio-irmão. A tradição diz que o próprio Bertrand du Guesclin ajudou Henrique no assassinato, segurando o vencido enquanto proferia uma frase que se tornaria um lugar-comum na língua espanhola: Ni quito ni pongo rey, pero ayudo a mi señor (Nem tiro nem ponho rei, mas ajudo meu senhor). Segundo outros testemunhos, quem ajudou Henrique a perpetrar o fratricídio foi o nobre galego Fernão Perez de Andrade. Após a derrota, Fernando Ruiz de Castro tentou de levantar na Galiza a resistência contra o novo rei. Mas por finais de 1370 Henrique enviou suas tropas para sufocar a rebelião e os mercenários de Du Guesclin assaltaram as fortalezas de Monforte de Lemos e Castro Caldelas. Fernando Ruiz de Castro foi vencido perto de Lugo por inícios de 1371. Du Guesclin voltou para o reino de França e não chegou a tomar posse do condado de Lemos.
Batalha de Auray, na Guerra de Sucessão da Bretanha |
Nascido em 1320 no castelo de La Motte-Broons, perto de Dinan, Bertrand du Guesclin pertencia à baixa nobreza bretã. Analfabeto e de caráter violento, destacou desde muito novo na carreira das armas. Começou tomando parte na Guerra de Sucessão da Bretanha (1341-1364) à frente de um exército de aventureiros e mercenários. Foi armado cavaleiro em 1357 e combateu ao serviço do rei francês Carlos V contra o monarca navarro Carlos II, o Mau. Ao terminar este conflito, as companhias que comandava subsistiram praticando a rapina. Carlos V desfez-se do problema enviando Du Guesclin a servir Henrique de Trastâmara na guerra civil castelhana. Quando o chefe mercenário voltou à França em 1370, foi nomeado condestável e continuou a participar em diversos conflitos bélicos, nomeadamente nas lutas para expulsar os ingleses dos domínios que detinham em território francês. Morreu em 1380, no cerco da fortaleza de Châteauneuf-de-Randon.
A estratégia militar de Bertrand du Guesclin caraterizou-se pelas táticas da guerra de atrito, a guerrilha e a terra arrasada. Na França foi tido tradicionalmente por um herói nacional. Muitos nacionalistas bretões, pelo contrário, consideraram-no um traidor por ter lutado ao serviço da coroa francesa contra a Bretanha, que era nessa época um ducado independente.