Em dezembro de 1972 e janeiro de 1973, o desenhista, ilustrador e roteirista chileno Luis Ruiz-Tagle publicou na revista Mampato a banda desenhada Puerto de Hambre, que relata a falida tentativa de colonização do estreito de Magalhães empreendida pelo império espanhol no último quartel do século XVI. A obra fazia parte de série Páginas brillantes de nuestra historia, que apareceu na dita revista a partir de abril de 1972. Ruiz-Tagle recriou também este episódio histórico noutra série intitulada Historias magallánicas, publicada pelo diário El Mercurio em 1980.
Na história narrada nestas séries em quadrinhos teve um papel de
destaque o navegador, explorador, cosmógrafo e cronista galego Pedro Sarmiento de Gamboa (Pontevedra 1532 - Lisboa 1592), pouco lembrado hoje no seu país de origem, embora com alguma exceção. Sarmiento já explorara a região magalhânica entre 1579 e 1580, partindo do
porto peruano de El Callao, à frente de uma expedição que tinha por fim encontrar e capturar o corsário inglês Francis Drake, cujas incursões na América do Sul inquietavam as autoridades coloniais espanholas. Dessa viagem ficou um notável relatório que não
seria publicado até 1768. Nessa altura, Sarmiento contava com uma longa
experiência como navegador. Em 1567 participara na expedição ao
Pacífico Sul comandada por Álvaro de Mendaña
que resultou na descoberta das Ilhas Salomão. Anteriormente morara no
México e no Peru, onde por encomenda do vice-rei Francisco de Toledo
escreveu uma crónica do império inca (Historia índica) que figura entre mais importantes fontes de informação histórica sobre a América pré-colombiana
Receando
que o reino da Grã-Bretanha alcançasse a estabelecer bases permanentes
na América do Sul e a assenhorear-se da passagem do Atlântico ao
Pacífico, a coroa espanhola resolveu fortificar o estreito de Magalhães e encomendou a Sarmiento de Gamboa a missão de criar uma colónia na região austral. Com esse objectivo, uma frota de 23 navios com cerca de 2.500
pessoas a bordo partiu em setembro de 1581 do porto de Sanlúcar de Barrameda. A expedição
teve que arrostar grandes dificuldades logo desde o início. Tempestades
e pestes dizimaram a frota durante a travessia e os sobreviventes
ficaram isolados por muito tempo na costa do Brasil.
A frota chegou finalmente ao estreito de Magalhães em fevereiro de 1584.
Na altura já restavam só cinco navios e um deles naufragou antes de
tocar terra, perecendo 583 pessoas de todas as idades. Uma tempestade
afastou depois outros barcos, que empreenderam o retorno à Península
Ibérica. Os colonos recém desembarcados dispunham apenas de uma nau, a Santa Maria de Castro.
Em meio de grandes penalidades, os sobreviventes da frota fundaram as povoações de Nombre de Jesús (perto do cabo Vírgenes, na ponta oriental do estreito) e Rey Don Felipe
(na baía San Blas, a poucos quilómetros da atual cidade chilena de Punta Arenas),
habitadas ao todo por 338 homens, mulheres e crianças. Foram as
primeiras colónias europeias no extremo austral do continente. Mas as
circunstâncias em que se levou a cabo a fundação, a escassez dos
recursos com que contavam os moradores e isolamento em que se
encontravam fizeram temer pelo seu futuro já desde o primeiro momento.
Sarmiento rumou para o Brasil à procura de víveres e
reforços para as colónias recém criadas, mas as tempestades impediram-no
de regressar ao estreito nas duas ocasiões em que o intentou. Na
primeira tentativa, a nau Santa Maria afundou-se com toda a sua
carga. Finalmente, em junho de 1586, decidiu retornar à Espanha em
demanda de auxílio. Na travessia foi apresado pela frota de Walter Raleigh e conduzido à Inglaterra. Após de muito porfiar, convenceu a rainha Isabel I para que lhe permitisse voltar à Espanha portando uma mensagem para Filipe II, mas quando atravessava a França foi feito prisioneiro pelos huguenotes, que pediram por ele um pesado resgate. Não foi libertado até dezembro de 1589.
Durante esse tempo, os colonos do estreito ficaram abandonados à sua sorte. Desprovidos de ajuda exterior, contando com meios sumamente precários, cercados de umas terras e um clima muito diferentes dos que conheciam, não foram capazes de desenvolver cultivos nem puderam recorrer com eficácia à pesca ou à caça para garantir-se a subsistência. Careciam dos conhecimentos e das técnicas desenvolvidos durante milhares de anos pelos indígenas para sobreviver naquela remota região. A fome começou a fazer estragos entre eles.
Durante esse tempo, os colonos do estreito ficaram abandonados à sua sorte. Desprovidos de ajuda exterior, contando com meios sumamente precários, cercados de umas terras e um clima muito diferentes dos que conheciam, não foram capazes de desenvolver cultivos nem puderam recorrer com eficácia à pesca ou à caça para garantir-se a subsistência. Careciam dos conhecimentos e das técnicas desenvolvidos durante milhares de anos pelos indígenas para sobreviver naquela remota região. A fome começou a fazer estragos entre eles.
Em janeiro de 1587, o corsário inglês Thomas Cavendish fundeou na baía San Blas para prover-se de água e lenha. Na cólonia de Rey Don Felipe só havia um punhado de sobreviventes exaustos e dezenas de cadáveres insepultos. Espantado perante o macabro panorama, Cavendish deu ao lugar o nome de Port Famine ou Porto da Fome, que conservou até hoje.
Depois da desgraçada tentativa de colonização -também narrada pelo escritor chileno Reinaldo Lomboy no romance histórico Puerto del Hambre-, os europeus desistiram por muito tempo de se assentarem no inóspito extremo sul do continente. A região não foi realmente colonizada até o século XIX, quando Chile e Argentina já eram estados independentes. Começou então o declínio dos antigos povos fueguinos, que foram levados à beira da extinção no decurso de poucos decénios.