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sexta-feira, 15 de março de 2013

"Puerto de Hambre" (1972 - 1973) : Sarmiento de Gamboa numa banda desenhada chilena

  
   Em dezembro de 1972 e janeiro de 1973, o desenhista, ilustrador e roteirista chileno Luis Ruiz-Tagle publicou na revista Mampato a banda desenhada Puerto de Hambre, que relata a falida tentativa de colonização do estreito de Magalhães empreendida pelo império espanhol no último quartel do século XVI. A obra fazia parte de série Páginas brillantes de nuestra historia, que apareceu na dita revista a partir de abril de 1972. Ruiz-Tagle recriou também este episódio histórico noutra série intitulada Historias magallánicas, publicada pelo diário El Mercurio em 1980.



   Na história narrada nestas séries em quadrinhos teve um papel de destaque o navegador, explorador, cosmógrafo e cronista galego Pedro Sarmiento de Gamboa (Pontevedra 1532 - Lisboa 1592), pouco lembrado hoje no seu país de origem, embora com alguma exceção. Sarmiento já explorara a região magalhânica entre 1579 e 1580, partindo do porto peruano de El Callao, à frente de uma expedição que tinha por fim encontrar e capturar o corsário inglês Francis Drake, cujas incursões na América do Sul inquietavam as autoridades coloniais espanholas. Dessa viagem ficou um notável relatório que não seria publicado até 1768. Nessa altura, Sarmiento contava com uma longa experiência como navegador. Em 1567 participara na expedição ao Pacífico Sul comandada por Álvaro de Mendaña que resultou na descoberta das Ilhas Salomão. Anteriormente morara no México e no Peru, onde por encomenda do vice-rei Francisco de Toledo escreveu uma crónica do império inca (Historia índica) que figura entre mais importantes fontes de informação histórica sobre a América pré-colombiana

  Receando que o reino da Grã-Bretanha alcançasse a estabelecer bases permanentes na América do Sul e a assenhorear-se da passagem do Atlântico ao Pacífico, a coroa espanhola resolveu fortificar o estreito de Magalhães e encomendou a Sarmiento de Gamboa a missão de criar uma colónia na região austral. Com esse objectivo, uma frota de 23 navios com cerca de 2.500 pessoas a bordo partiu em setembro de 1581 do porto de Sanlúcar de Barrameda. A expedição teve que arrostar grandes dificuldades logo desde o início. Tempestades e pestes dizimaram a frota durante a travessia e os sobreviventes ficaram isolados por muito tempo na costa do Brasil.


   A frota chegou finalmente ao estreito de Magalhães em fevereiro de 1584. Na altura já restavam só cinco navios e um deles naufragou antes de tocar terra, perecendo 583 pessoas de todas as idades. Uma tempestade afastou depois outros barcos, que empreenderam o retorno à Península Ibérica. Os colonos recém desembarcados dispunham apenas de uma nau, a Santa Maria de Castro
   
  Em meio de grandes penalidades, os sobreviventes da frota fundaram as povoações de Nombre de Jesús (perto do cabo Vírgenes, na ponta oriental do estreito) e Rey Don Felipe (na baía San Blas, a poucos quilómetros da atual cidade chilena de Punta Arenas), habitadas ao todo por 338 homens, mulheres e crianças. Foram as primeiras colónias europeias no extremo austral do continente. Mas as circunstâncias em que se levou a cabo a fundação, a escassez dos recursos  com que contavam os moradores e isolamento em que se encontravam fizeram temer pelo seu futuro já desde o primeiro momento.

  Sarmiento rumou para o Brasil à procura de víveres e reforços para as colónias recém criadas, mas as tempestades impediram-no de regressar ao estreito nas duas ocasiões em que o intentou. Na primeira tentativa, a nau Santa Maria afundou-se com toda a sua carga. Finalmente, em junho de 1586, decidiu retornar  à Espanha em demanda de auxílio. Na travessia foi apresado pela frota de Walter Raleigh e conduzido à Inglaterra. Após de muito porfiar, convenceu a rainha Isabel I para que lhe permitisse voltar à Espanha portando uma mensagem para Filipe II, mas quando atravessava a França foi feito prisioneiro pelos huguenotes, que pediram por ele um pesado resgate. Não foi libertado até dezembro de 1589.

     Durante esse tempo, os colonos do estreito ficaram abandonados à sua sorte. Desprovidos de ajuda exterior, contando com meios sumamente precários, cercados de umas terras e um clima muito diferentes dos que conheciam, não foram capazes de desenvolver cultivos nem puderam recorrer com eficácia à pesca ou à caça para garantir-se a subsistência. Careciam dos conhecimentos e das técnicas desenvolvidos durante milhares de anos pelos indígenas para sobreviver naquela remota região. A fome começou a fazer estragos entre eles.


    Os moradores de Nombre de Jesús empreenderam uma marcha desesperada por terra para alcançar a outra povoação, supondo que ali conseguiriam mais víveres, mas foram morrendo quase todos de inanição e esgotamento ao longo do caminho.



   Em janeiro de 1587, o corsário inglês Thomas Cavendish fundeou na baía San Blas para prover-se de água e lenha. Na cólonia de Rey Don Felipe só havia um punhado de sobreviventes exaustos e dezenas de cadáveres insepultos. Espantado perante o macabro panorama, Cavendish deu ao lugar o nome de Port Famine ou Porto da Fome, que conservou até hoje. 



 


  Depois da desgraçada tentativa de colonização -também narrada pelo escritor chileno Reinaldo Lomboy no romance histórico Puerto del Hambre-, os europeus desistiram por muito tempo de se assentarem no inóspito extremo sul do continente. A região não foi realmente colonizada até o século XIX, quando Chile e Argentina já eram estados independentes. Começou então o declínio dos antigos povos fueguinos, que foram levados à beira da extinção no decurso de poucos decénios. 







terça-feira, 29 de novembro de 2011

Os condes de Lemos e a Cidade do Sol. O filósofo Tommaso Campanella, prisioneiro dos vice-reis galegos em Nápoles




Em agosto de 1599 foi descoberta e abortada na Calábria uma conspiração que visava acabar com o domínio espanhol na Itália meridional. Não foi essa a primeira nem a última vez que se produziu uma tentativa de sublevação nos territórios italianos sujeitos à coroa de Espanha. Em 1523, 1533, 1547 e 1585 já surgiram na Sicília e em Nápoles importantes movimentos insurrecionais. No século XVI, os domínios espanhóis na Itália não eram nenhum exemplo de bem-estar e bom governo. A rapacidade dos governantes, um sistema fiscal feroz e o estado de abandono da agricultura, a indústria e o comércio provocavam um descontentamento popular incessante.
  A desocupação e a miséria propiciaram um enorme incremento da delinquência e o banditismo, sobretudo no sul do país: já estava nos seus inícios a longa e lúgubre história das máfias de Nápoles, a Calábria e a Sicília. A isto sumavam-se as tropelias da Inquisição, introduzida pelas autoridades espanholas, e a violência exercida contra a população pelos terços imperiais, que criam ter tudo permitido na Itália.

Tommaso Campanella, pelo pintor calabrês Mike Arruzza

    Todas estas circunstâncias concorreram para alimentar a conjuração de 1599, entre cujos responsáveis figurava um personagem que chegaria a ser conhecido universalmente: o monge dominicano e filósofo Tommaso Campanella. Nascido em 1568 numa humilde família da vila calabresa de Stilo, Campanella dera desde muito novo mostras da sua poderosa capacidade intelectual. Influído pelo pensador reformista Bernardino Telesio, abandonou o seu convento e publicou uma obra, Philosophia sensibus demonstrata, que foi condenada pela Inquisição. Procurou refúgio em Florência e Pádua, proclamou a necessidade de uma profunda transformação social, política e religiosa e finalmente retornou à Calábria. Lá participou nos preparativos de uma insurreição que pretendia instaurar um regime republicano e igualitário nas terras submetidas à Espanha e talvez também no resto da Itália. A sublevação, cuidadosamente planificada, não chegou a estourar porque dois denunciantes delataram a existência do movimento às autoridades imperiais, que desataram uma repressão atroz. Muitos dos conjurados foram levados a Nápoles a bordo de quatro galés. Dois prisioneiros foram despedaçados vivos durante a travessia com o fim de aterrorizar os outros e forçá-los a confessar. Campanella eludiu a princípio a perseguição, mas foi apresado algum tempo depois quando tentava embarcar para a Sicília. Conduzido a Nápoles, foi torturado durante meses enquanto era julgado por sedição e heresia. Para evitar ser justiçado simulou ter enlouquecido (as leis da época não permitiam executar os dementes) e embora não alcançasse a iludir completamente os juízes, conseguiu ver comutada a pena capital pela prisão perpétua.

  Campanella passou no cárcere os seguintes vinte e seis anos. Durante esse tempo escreveu algumas das suas obras mais conhecidas, entre as quais sobressai A cidade do Sol, descrição de uma sociedade ideal considerada como um precedente do socialismo utópico, ao igual que a República de Platão e a Utopia de Thomas More. Há quem acredite que A cidade do Sol foi uma das fontes de inspiração das comunidades igualitárias criadas pelos missionários jesuítas entre os povos indígenas do Paraguai. Em todo o caso, a obra teve uma influência considerável no pensamento filosófico e político das seguintes centúrias. Outro dos seus livros é uma Apologia de Galiléu na qual defendeu os méritos do grande científico, perseguido na altura pela Inquisição, e avogou pelos direitos da ciência face à hegemonia do poder religioso. O filósofo acabou por saír do cárcere mercê à intercessão do papa Urbano VIII, mas teve que abandonar a Itália por estar um sobrinho seu implicado numa nova conjura contra o domínio espanhol. Viveu os seus últimos anos na França, onde foi muito bem acolhido pelo rei Luís XIII e o cardeal Richelieu, os quais não perderam a ocasião de favorecer um sábio já famoso em toda a Europa que era perseguido pelos seus adversários, os monarcas espanhóis.


Busto do conde Pedro Fernández de Castro em Monforte
  Que relação tem esta história com Monforte de Lemos? Pelo menos uma pouca. Quando Campanella e os seus companheiros organizavam o frustrado levantamento de 1599, a governação dos territórios espanhóis da Itália meridional estava em mãos de um monfortino, Fernando Ruiz de Castro, vice-rei de Nápoles e sexto conde de Lemos. Foi este personagem quem dirigiu a repressão contra os rebeldes calabreses e quem ordenou encarcerar o monge filósofo. Campanella permanecia em prisão quando o sétimo conde de Lemos, Pedro Fernandez de Castro Andrade e Portugal, passou a ser também vice-rei de Nápoles, em 1610. Apesar da sua conhecida afeição pelas letras (foi mecenas, como é bem sabido, de Cervantes, Góngora, Quevedo, Lope de Vega e os irmãos Argensola, entre outros), o conde monfortino não achou conveniente indultar o pensador, quem continuava preso quando Fernandez de Castro terminou o seu mandato na Itália em 1616. Quem sabe em quem estaria a pensar Tommaso Campanella quando escreveu estas palavras num poema composto na sua longa estada em prisão: Habitantes do mundo, volvei os olhos para a inteligência suprema e vereis o abaixamento a que vos reduziu a tirania brutal revestida com o belo manto da nobreza e o valor.


     Publicado originalmente no programa de atos das festas patronais de Monforte de Lemos, agosto 2004.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Duas minas de ouro romanas entram na lista do património arqueológico da Galiza



Duas minas de ouro romanas de entre os séculos I e II, situadas no concelho de Ribas de Sil (província de Lugo) foram incluídas no inventário oficial da Direcção Geral do Património Cultural da Junta de Galiza.

Uma delas, descoberta em datas muito recentes, é uma galeria de exploração de em torno a 130 metros de longitude escavada nun monte da Serra da Moá, sobre a margem esquerda do rio Sil, tributário do Minho.

A outra mina, distante da anterior perto de 200 metros, embora não estivesse cadastrada, é muito conhecida na zona e recebe a denominação tradicional de Covallón (covalhom, grande buraco). Trata-se de um espectacular exemplo de mineração aurífera a céu aberto praticada com a técnica de ruina montium, como as famosas minas de Las Médulas (na província castelhana de Leão), não muito longe de Ribas de Sil.

As minas do Covallón encontram-se numa zona particularmente abundante em sítios arqueológicos relacionados com a mineração aurífera romana, que abrange os municípios de Ribas de Sil, Quiroga, Folgoso do Courel e A Pobra do Brollón. Nas redondezas há sítios como as galerias mineiras de Montefurado e Paradaseca (Quiroga) e as minas da Toca, Torúbio, Millares e Romeor (Folgoso do Courel).

No município de Ribas de Sil existe um percurso pedestre -a Rota do Ouro- que discorre por várias minas da época romana, nas proximidades do Covallón.


Fonte: La Voz de Galicia