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sábado, 22 de junho de 2013

Bertrand du Guesclin, um efêmero conde bretão na Galiza




 As biografias de Bertrand du Guesclin (Beltram Gwesklin em bretão), chamado Águia da Bretanha e Dogo Negro da Brocelianda, não costumam mencionar o fato de que por um curto período, ao menos nominalmente, foi senhor de um dos mais importantes condados da Galiza medieval. Em 1366, Du Guesclin —um dos personagens mais célebres da Guerra dos Cem Anos— foi nomeado conde de Lemos, mas tudo indica que em nenhum momento chegou a governar o condado. Este pouco conhecido episódio é mencionado por alguns historiadores galegos, como Germán Vázquez e Eduardo Pardo de Guevara, quem o qualifica de «breve e confuso capítulo da história do condado de Lemos».


Fortaleza condal e mosteiro de Monforte de Lemos (Foto Alberto López)

A nomeação de Bertrand du Guesclin como conde de Lemos produziu-se no contexto de uma longa guerra civil entabulada no século XIV pela posse da coroa de Castela, à qual estava submetido o Reino da Galiza desde o reinado de Fernando III. A guerra enfrentava os partidários do rei Pedro I, o Cruel e de seu meio-irmão Henrique de Trastâmara. Este último, que acabou por ocupar o trono e reinou com o nome de Henrique II, teve um importante apoio nas tropas mercenárias de Du Guesclin, caraterizadas por uma grande eficácia militar e uma ferocidade extrema. Quando o caudilho bretão foi nomeado conde de Lemos, no entanto, não era o único que ostentava essa dignidade, e a guerra em que tomava parte estava longe de ser ganhada. Nesse mesmo ano, Pedro I outorgou o mesmo título (que ainda não era hereditário nessa altura) ao nobre galego Fernando Ruiz de Castro, um dos mais importantes partidários que teve ao longo do conflito. Fernando Ruiz de Castro era filho do anterior conde de Lemos —Pedro Fernández de Castro, chamado o da Guerra— e meio-irmão de Inês de Castro, a famosa rainha morta de Portugal. Sua ajuda foi especialmente útil a Pedro I quando se refugiou na Galiza depois de ser derrotado em Sevilha pelas tropas de Henrique e Bertrand du Guesclin.


Batalha de Nájera segundo uma miniatura das crónicas de Jean Froissart
  O curso da guerra, inicialmente favorável a Henrique de Trastâmara, pareceu mudar em 1367, quando Pedro desbaratou o exército do seu adversário na batalha de Nájera com o auxílio de tropas inglesas sob o comando do Príncipe Negro. Porém, o conflito deu mais tarde um novo giro e Henrique alcançou uma vitória definitiva em 1369 na batalha de Montiel. Depois de ser derrotado, ao que parece, Pedro I morreu em um forcejo com seu meio-irmão. A tradição diz que o próprio Bertrand du Guesclin ajudou Henrique no assassinato, segurando o vencido enquanto proferia uma frase que se tornaria um lugar-comum na língua espanhola: Ni quito ni pongo rey, pero ayudo a mi señor (Nem tiro nem ponho rei, mas ajudo meu senhor). Segundo outros testemunhos, quem ajudou Henrique a perpetrar o fratricídio foi o nobre galego Fernão Perez de Andrade. Após a derrota, Fernando Ruiz de Castro tentou de levantar na Galiza a resistência contra o novo rei. Mas por finais de 1370 Henrique enviou suas tropas para sufocar a rebelião e os mercenários de Du Guesclin assaltaram as fortalezas de Monforte de Lemos e Castro Caldelas. Fernando Ruiz de Castro foi vencido perto de Lugo por inícios de 1371. Du Guesclin voltou para o reino de França e não chegou a tomar posse do condado de Lemos. 

Batalha de Auray, na Guerra de Sucessão da Bretanha
Nascido em 1320 no castelo de La Motte-Broons, perto de Dinan, Bertrand du Guesclin pertencia à baixa nobreza bretã. Analfabeto e de caráter violento, destacou desde muito novo na carreira das armas. Começou tomando parte na Guerra de Sucessão da Bretanha (1341-1364) à frente de um exército de aventureiros e mercenários. Foi armado cavaleiro em 1357 e combateu ao serviço do rei francês Carlos V contra o monarca navarro Carlos II, o Mau. Ao terminar este conflito, as companhias que comandava subsistiram praticando a rapina. Carlos V desfez-se do problema enviando Du Guesclin a servir Henrique de Trastâmara na guerra civil castelhana. Quando o chefe mercenário voltou à França em 1370, foi nomeado condestável e continuou a participar em diversos conflitos bélicos, nomeadamente nas lutas para expulsar os ingleses dos domínios que detinham em território francês. Morreu em 1380, no cerco da fortaleza de Châteauneuf-de-Randon. 
   A estratégia militar de Bertrand du Guesclin caraterizou-se pelas táticas da guerra de atrito, a guerrilha e a terra arrasada. Na França foi tido tradicionalmente por um herói nacional. Muitos nacionalistas bretões, pelo contrário, consideraram-no um traidor por ter lutado ao serviço da coroa francesa contra a Bretanha, que era nessa época um ducado independente.

sexta-feira, 22 de março de 2013

Arte românica e vinho na Ribeira Sacra (Galiza)

Igreja de São Vicente de Pombeiro (Foto Alberto López)
A Ribeira Sacra é uma região histórica situada no sul da província de Lugo e o norte da província de Ourense, bem conhecida pela sua importância no mundo do vinho. Neste território, ao redor da confluência dos rios Minho e Sil, está estabelecida uma das cinco denominações de origem de vinhos galegos, que nos últimos anos goza de uma celebridade crescente. Mas a Ribeira Sacra também é conhecida por possuir a maior concentração de arte românica da Galiza. Nesta região há mais de uma centena de igrejas que conservam a sua estrutura românica original em maior ou menor grau. Todos esses templos fizeram parte de mosteiros medievais que desapareceram em grande parte e cujas origens remontam à Alta Idade Média. Apenas o mosteiro de Santa Maria de Ferreira, na vila de Pantón, continua a ser habitado por uma comunidade de freiras da ordem beneditina.

Igreja de Atán (Foto Alberto López)
  A história desses mosteiros está intimamente relacionada com o desenvolvimento da viticultura, que foi durante a Idade Média um recurso econômico de primeira importância nestas terras. Uma tradição local atribui ao Império Romano a origem da produção dos vinhos na região. Ainda é comum ouvir-se dizer que os vinhos elaborados aqui eram enviados a Roma e servidos na mesa dos Césares. No entanto, apesar dessa arraigada crença, não há nenhuma prova histórica ou arqueológica de que nesta região se produzisse vinho na época romana, nem muito menos de que esse vinho fosse exportado para a península itálica. O mais antigo testemunho histórico conhecido sobre a viticultura na Ribeira Sacra é um documento datado do ano 816 no mosteiro de Santo Estevo de Atán, no concelho de Pantón.


Igreja de Ribas de Minho (Foto Alberto López)
  Uma outra crença muito arraigada atribui o nome da Ribeira Sacra à presença dos mosteiros que existiram durante séculos nas margens do Sil e Minho. Porém, segundo o filólogo e historiador galego Manuel Vidán Torreira, a origem do topônimo tem uma explicação muito diferente. O mais antigo documento histórico que contém esse nome é a carta de fundação do mosteiro de Montederramo (datada de agosto de 1124 na vila de Alhariz, na atual província de Ourense, e assinada por Teresa de Leão, mãe de Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal), onde aparece a frase: in locum qui dicitur [no local que é chamado de] Rivoira Sacrata. O cronista beneditino castelhano Antonio de Yepes (morto em 1618), ao transcrever esse documento, creu que as palavras Rivoira Sacrata se referiam às margens do rio Sil. Vidán Torreira frisa que a palavra rivoira (ou rovoyra, como é mencionada em outros textos da época, do latim robur) significa carvalho ou carvalhal na língua medieval galego-portuguesa. Antonio de Yepes entendeu equivocadamente que o antigo documento falava de uma «ribeira sagrada» (quando na verdade fala de uma «árvore sagrada» ou de uma «floresta sagrada») e o erro foi repetido mais tarde por muitos outros, originando o nome que perdura até hoje.

Vinhas em terraços em Sober (Foto Alberto López)
  Em qualquer caso, é verdade que na região houve muitas comunidades monásticas, algumas deles muito poderosas, como a do convento beneditino de Santo Estevo de Ribas de Sil (no atual concelho de Nogueira de Ramuim), hoje transformado numa pousada de luxo. Também está fora de dúvida que os monges promoveram o cultivo das videiras nas margens íngremes do Sil e do Minho, dando origem à espetacular paisagem de vinhas plantadas em terraços ou socalcos que caracteriza a Ribeira Sacra. Uma paisagem que, nas palavras do escritor e geógrafo galego Ramón Otero Pedrayo, foi trabalhada de um modo «inconscientemente artístico». Porém, os dados históricos conhecidos ainda não permitem determinar com exatidão quando começou a se praticar na região este tipo de viticultura.

Igreja de Santo Estevo de Ribas de Minho (Foto Alberto López)
 Os grandes benefícios do comércio do vinho explicam a abundância e a riqueza artística e arquitetônica dos monumentos românicos deste território, onde há igrejas, como a de Santo Estevo de Ribas do Minho (concelho do Savinhão), de umas dimensões insólitas para uma pequena povoação rural. Na maioria dos casos, trata-se de um estilo românico tardio e já muito maduro. Algumas dessas igrejas mostram uma clara influência da escola surgida em torno do famoso Mestre Mateus, o criador do Pórtico da Glória da Catedral de Santiago de Compostela. Estudos recentes sugerem que uma oficina formada por antigos discípulos de Mateus se estabeleceu no curso médio do Minho depois de terminar a construção da catedral (por volta do ano 1210), levantando primeiramente a monumental igreja de Portomarín, no extremo norte da Ribeira Sacra e à beira do Caminho de Santiago. A marca estilística dessa oficina deixa-se ver em outros templos construídos mais tarde na mesma área geográfica.

TV / Vídeo  
O património românico da Ribeira Sacra é apresentado em um episódio da série de documentários Las claves del románico, da televisão pública espanhola TVE-La 2. Um vídeo realizado pela Deputação Provincial de Lugo mostra algumas igrejas do concelho do Savinhão (em galego).


Livros
Em tempos recentes foi publicado um guia em espanhol, Cuaderno del románico de la Ribeira Sacra, de Francisco Ruiz Aldereguía, que descreve numerosas igrejas e várias rotas para as visitar. O complexo simbolismo religioso destes monumentos (especialmente das suas esculturas) é analisado pelo escritor e historiador Xosé Lois Garcia em seus livros Simbologia do românico de Pantón, Simbologia do românico de Sober e Simbologia do românico de Chantada (em galego). A historiadora Sonia Fernández estuda em sua obra San Esteban de Ribas de Miño: los talleres de filiación mateana (em espanhol) a relação da arte românica da Ribeira Sacra com a escola compostelana de Mateus. Há também informações sobre o património românico da zona nos livros Ribeira Sacra. Guía práctica, de Manuel Garrido (com edições em espanhol e galego) e Orientarse pola Ribeira Sacra, de Gonzalo Xosé de Francisco da Rocha (em galego), este último de um caráter mais literário.
                                                             
Igreja de Bembibre, Taboada (Foto A. López)
Sítios eletrônicos
Um mapa editado pelo Ecomuseu de Arxeriz indica os principais pontos de interesse deste grande conjunto monumental. A associação cultural Colado do Vento publicou um guia do património românico do concelho de Sober (em galego). Outra associação, Amigos do Românico da Comarca de Chantada, apresenta em seu site uma galeria de fotos das igrejas românicas dos concelhos de Chantada, Taboada e Carvalhedo. Neste site pode ver-se um calendário com imagens de igrejas e mosteiros da Ribeira Sacra da província de Ourense, editado pela associação O Sorriso de Daniel. O portal Arteguias.com dedica um pequeno espaço a este patrimônio (em espanhol). O portal Círculo Románico apresenta imagens das igrejas de Santo Estevo de Chouzán, São Miguel de Eiré, Santa Maria de Ferreira, São Paio de Diomondi, São Lourenço de Fión, São Vicente de Pombeiro, São João de Portomarim, Taboada dos Freires, São Facundo de Ribas de Minho, Santo Estevo de Ribas de Sil e Santa Cristina de Ribas de Sil. A sociedade pública Turgalicia oferece em seu site uma visita virtual à igreja rupestre do mosteiro de São Pedro de Rocas (concelho de Esgos), uma das fundações monásticas mais antigas da Ribeira Sacra e de toda a Europa, cuja origem remonta ao século VI.

Igreja de Nogueira de Minho, Chantada (Foto Alberto López)
Museus
O Centro do Vinho da Ribeira Sacra (no concelho de Monforte de Lemos) acolhe uma exposição permanente sobre a história da viticultura na região. O Ecomuseu de Arxeriz (concelho do Savinhão) dedica uma seção às tradições vinícolas da Ribeira Sacra. O museu de etnografia do concelho de Quiroga expõe uma coleção de antigos utensílios relacionados com a elaboração do vinho. 
 
Igreja de São João da Cova (Foto Alberto López)

Rotas turísticas
A empresa Maisqueromanico oferece visitas guiadas a estes monumentos, com serviço em várias línguas. Na  região uma Rota do Vinho que compreende adegas, hospedagens e outros estabelecimentos.