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sábado, 25 de maio de 2013

O dólio: um esquecido instrumento musical românico na Ribeira Sacra (Galiza)

Mísula da igreja de Atán (Foto : Alberto López)
A igreja de Santo Estevo de Atán, no concelho de Pantón, faz parte do vasto património românico da Ribeira Sacra. Pertenceu a um mosteiro desaparecido que já é mencionado em fontes documentais do século IX. Um desses documentos, datado do ano 816, contém a mais antiga referência conhecida sobre a viticultura na região. O edifício sofreu numerosas reformas e alterações, e da velha fábrica românica só restam o portal e um conjunto de mísulas esculpidas. Conserva também alguns elementos de origem pré-românica. Na fachada sul da igreja chama a atenção uma peculiar figura lavrada numa mísula, uma cabeça humana que parece estar a sorver vinho de uma pipa. Esculturas muito similares a esta podem ver-se em diversas igrejas românicas do norte da Península Ibérica. Essas figuras foram denominadas bebedores ou bêbedos e interpretadas como sátiras da embriaguez e da gula. Porém, segundo um estudo recente, tais esculturas não têm nenhuma intenção moralizadora. São representações reais de um antigo instrumento musical, um tipo de aerofone que deixou muito poucas pegadas históricas.


Dólio de Oloritz (Foto: Romanicoaragones.com)
O instrumento, totalmente desconhecido até há poucos anos, foi identificado pelo historiador e musicólogo Faustino Porras Robles, especialista em representações musicais na arte românica, quem publicou em 2007 um trabalho sobre este assunto na Revista de Folklore que edita a Fundação Joaquín Díaz. Porras Robles deu a este instrumento —cujo nome original se desconhece— a denominação de dólio, do latim dolium (pipa ou tonel). O pesquisador descarta a possibilidade de os objectos representados nestas esculturas serem cubas de vinho e frisa que em todos os casos estão situados por baixo da figura humana. «Se se tratasse de uma imagem carregada de conteúdo simbólico e finalidade moralizante, o tonel situar-se-ia sobre as costas do personagem para apresentá-lo como a pesada carga que deve suportar aquele que não domina as suas fraquezas», aponta. Por outro lado, indica que este «tonel» apresenta amiúde uma feição cilíndrica, mas em outros casos tem forma de elipse ou de prisma, e além disso aparece sempre representado com um grande bico —por onde supostamente «bebe» o personagem— que não desempenharia nenhuma função em um tonel real. Estas figuras, aliás, aparecem em certos lugares acompanhadas de outras que indubitavelmente representam músicos e dançarinos.
 
Interior da igreja de Atán (Foto: Carlos Rueda)
As representações iconográficas do dólio estão espalhadas por todo o norte da Península. No seu trabalho de 2007, Faustino Porras Robles  menciona as igrejas de Monasterio de Rodilla, Miñón, Escalada, Moarves de Ojeda (Castela e Leão), S. Romão de Lousada, Sta. Marinha de Esposende, S. Tomé de Serantes, Santiago de Bembrive, S. Martinho de Moanha, S. Pedro de Rebón, a freguesia de Santiago na cidade da Corunha e a catedral de Lugo (Galiza). Em um novo artigo publicado em fevereiro de 2013 alarga a listagem, indicando também a presença do instrumento em esculturas medievais de El Pla de Santa Maria (Catalunha), Artze, Oloritz, Vadoluengo (Navarra), Canales de la Sierra (La Rioja), Los Barrios de la Bureba, Navas de Bureba, Tablada de Villadiego, Vallejo de Mena, Villamayor de Treviño, Ventosilla (Castela e Leão), Santo Estevo de Atán e Santiago de Compostela (Galiza).

Organistrum (Wikimedia Commons)

Baseando-se na cronologia das representações plásticas do dólio, Porras Robles considera que o instrumento foi usado sobretudo na segunda metade do século XII, ainda que parece ter pervivido até à Baixa Idade Média. O exemplo mais tardio que se conhece é uma escultura da Casa Gótica de Santiago de Compostela, do século XIV. O investigador fez também uma estimação acerca do possível tamanho desses instrumentos, calculando que poderiam medir entre 45 e 50 centímetros os de maior volume (os mais frequentes) e arredor de 30 centímetros os mais pequenos. Analisando a iconografia, supõe que era um aerofone de tom grave e pouca variedade sonora, cuja função seria a de enriquecer melodias executadas com outros instrumentos, contribuindo para o desenvolvimento da polifonia que estava em auge nesse período histórico. Na maioria dos casos, o dólio aparece integrado em cenas jogralescas, com outros músicos que tocam instrumentos de corda e de sopro, com dançarinas, animais amestrados e contorcionistas, pelo que cabe inferir que foi utilizado principalmente em contextos populares. A causa provável da desaparição do dólio —acrescenta o autor do estudo— seria o desenvolvimento de outros instrumentos de técnica mais evoluída e com possibilidades protopolifónicas, como a gaita, o alboque ou o organistrum (predecessor da sanfona), que tornariam desnecessário o seu uso. 

sexta-feira, 22 de março de 2013

Arte românica e vinho na Ribeira Sacra (Galiza)

Igreja de São Vicente de Pombeiro (Foto Alberto López)
A Ribeira Sacra é uma região histórica situada no sul da província de Lugo e o norte da província de Ourense, bem conhecida pela sua importância no mundo do vinho. Neste território, ao redor da confluência dos rios Minho e Sil, está estabelecida uma das cinco denominações de origem de vinhos galegos, que nos últimos anos goza de uma celebridade crescente. Mas a Ribeira Sacra também é conhecida por possuir a maior concentração de arte românica da Galiza. Nesta região há mais de uma centena de igrejas que conservam a sua estrutura românica original em maior ou menor grau. Todos esses templos fizeram parte de mosteiros medievais que desapareceram em grande parte e cujas origens remontam à Alta Idade Média. Apenas o mosteiro de Santa Maria de Ferreira, na vila de Pantón, continua a ser habitado por uma comunidade de freiras da ordem beneditina.

Igreja de Atán (Foto Alberto López)
  A história desses mosteiros está intimamente relacionada com o desenvolvimento da viticultura, que foi durante a Idade Média um recurso econômico de primeira importância nestas terras. Uma tradição local atribui ao Império Romano a origem da produção dos vinhos na região. Ainda é comum ouvir-se dizer que os vinhos elaborados aqui eram enviados a Roma e servidos na mesa dos Césares. No entanto, apesar dessa arraigada crença, não há nenhuma prova histórica ou arqueológica de que nesta região se produzisse vinho na época romana, nem muito menos de que esse vinho fosse exportado para a península itálica. O mais antigo testemunho histórico conhecido sobre a viticultura na Ribeira Sacra é um documento datado do ano 816 no mosteiro de Santo Estevo de Atán, no concelho de Pantón.


Igreja de Ribas de Minho (Foto Alberto López)
  Uma outra crença muito arraigada atribui o nome da Ribeira Sacra à presença dos mosteiros que existiram durante séculos nas margens do Sil e Minho. Porém, segundo o filólogo e historiador galego Manuel Vidán Torreira, a origem do topônimo tem uma explicação muito diferente. O mais antigo documento histórico que contém esse nome é a carta de fundação do mosteiro de Montederramo (datada de agosto de 1124 na vila de Alhariz, na atual província de Ourense, e assinada por Teresa de Leão, mãe de Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal), onde aparece a frase: in locum qui dicitur [no local que é chamado de] Rivoira Sacrata. O cronista beneditino castelhano Antonio de Yepes (morto em 1618), ao transcrever esse documento, creu que as palavras Rivoira Sacrata se referiam às margens do rio Sil. Vidán Torreira frisa que a palavra rivoira (ou rovoyra, como é mencionada em outros textos da época, do latim robur) significa carvalho ou carvalhal na língua medieval galego-portuguesa. Antonio de Yepes entendeu equivocadamente que o antigo documento falava de uma «ribeira sagrada» (quando na verdade fala de uma «árvore sagrada» ou de uma «floresta sagrada») e o erro foi repetido mais tarde por muitos outros, originando o nome que perdura até hoje.

Vinhas em terraços em Sober (Foto Alberto López)
  Em qualquer caso, é verdade que na região houve muitas comunidades monásticas, algumas deles muito poderosas, como a do convento beneditino de Santo Estevo de Ribas de Sil (no atual concelho de Nogueira de Ramuim), hoje transformado numa pousada de luxo. Também está fora de dúvida que os monges promoveram o cultivo das videiras nas margens íngremes do Sil e do Minho, dando origem à espetacular paisagem de vinhas plantadas em terraços ou socalcos que caracteriza a Ribeira Sacra. Uma paisagem que, nas palavras do escritor e geógrafo galego Ramón Otero Pedrayo, foi trabalhada de um modo «inconscientemente artístico». Porém, os dados históricos conhecidos ainda não permitem determinar com exatidão quando começou a se praticar na região este tipo de viticultura.

Igreja de Santo Estevo de Ribas de Minho (Foto Alberto López)
 Os grandes benefícios do comércio do vinho explicam a abundância e a riqueza artística e arquitetônica dos monumentos românicos deste território, onde há igrejas, como a de Santo Estevo de Ribas do Minho (concelho do Savinhão), de umas dimensões insólitas para uma pequena povoação rural. Na maioria dos casos, trata-se de um estilo românico tardio e já muito maduro. Algumas dessas igrejas mostram uma clara influência da escola surgida em torno do famoso Mestre Mateus, o criador do Pórtico da Glória da Catedral de Santiago de Compostela. Estudos recentes sugerem que uma oficina formada por antigos discípulos de Mateus se estabeleceu no curso médio do Minho depois de terminar a construção da catedral (por volta do ano 1210), levantando primeiramente a monumental igreja de Portomarín, no extremo norte da Ribeira Sacra e à beira do Caminho de Santiago. A marca estilística dessa oficina deixa-se ver em outros templos construídos mais tarde na mesma área geográfica.

TV / Vídeo  
O património românico da Ribeira Sacra é apresentado em um episódio da série de documentários Las claves del románico, da televisão pública espanhola TVE-La 2. Um vídeo realizado pela Deputação Provincial de Lugo mostra algumas igrejas do concelho do Savinhão (em galego).


Livros
Em tempos recentes foi publicado um guia em espanhol, Cuaderno del románico de la Ribeira Sacra, de Francisco Ruiz Aldereguía, que descreve numerosas igrejas e várias rotas para as visitar. O complexo simbolismo religioso destes monumentos (especialmente das suas esculturas) é analisado pelo escritor e historiador Xosé Lois Garcia em seus livros Simbologia do românico de Pantón, Simbologia do românico de Sober e Simbologia do românico de Chantada (em galego). A historiadora Sonia Fernández estuda em sua obra San Esteban de Ribas de Miño: los talleres de filiación mateana (em espanhol) a relação da arte românica da Ribeira Sacra com a escola compostelana de Mateus. Há também informações sobre o património românico da zona nos livros Ribeira Sacra. Guía práctica, de Manuel Garrido (com edições em espanhol e galego) e Orientarse pola Ribeira Sacra, de Gonzalo Xosé de Francisco da Rocha (em galego), este último de um caráter mais literário.
                                                             
Igreja de Bembibre, Taboada (Foto A. López)
Sítios eletrônicos
Um mapa editado pelo Ecomuseu de Arxeriz indica os principais pontos de interesse deste grande conjunto monumental. A associação cultural Colado do Vento publicou um guia do património românico do concelho de Sober (em galego). Outra associação, Amigos do Românico da Comarca de Chantada, apresenta em seu site uma galeria de fotos das igrejas românicas dos concelhos de Chantada, Taboada e Carvalhedo. Neste site pode ver-se um calendário com imagens de igrejas e mosteiros da Ribeira Sacra da província de Ourense, editado pela associação O Sorriso de Daniel. O portal Arteguias.com dedica um pequeno espaço a este patrimônio (em espanhol). O portal Círculo Románico apresenta imagens das igrejas de Santo Estevo de Chouzán, São Miguel de Eiré, Santa Maria de Ferreira, São Paio de Diomondi, São Lourenço de Fión, São Vicente de Pombeiro, São João de Portomarim, Taboada dos Freires, São Facundo de Ribas de Minho, Santo Estevo de Ribas de Sil e Santa Cristina de Ribas de Sil. A sociedade pública Turgalicia oferece em seu site uma visita virtual à igreja rupestre do mosteiro de São Pedro de Rocas (concelho de Esgos), uma das fundações monásticas mais antigas da Ribeira Sacra e de toda a Europa, cuja origem remonta ao século VI.

Igreja de Nogueira de Minho, Chantada (Foto Alberto López)
Museus
O Centro do Vinho da Ribeira Sacra (no concelho de Monforte de Lemos) acolhe uma exposição permanente sobre a história da viticultura na região. O Ecomuseu de Arxeriz (concelho do Savinhão) dedica uma seção às tradições vinícolas da Ribeira Sacra. O museu de etnografia do concelho de Quiroga expõe uma coleção de antigos utensílios relacionados com a elaboração do vinho. 
 
Igreja de São João da Cova (Foto Alberto López)

Rotas turísticas
A empresa Maisqueromanico oferece visitas guiadas a estes monumentos, com serviço em várias línguas. Na  região uma Rota do Vinho que compreende adegas, hospedagens e outros estabelecimentos.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Um guia do património românico de Sober (Ribeira Sacra, Galiza)



  A associação cultural O Colado do Vento apresentou uma edição digital renovada de um guia do patrimônio românico do concelho de Sober. A publicação (de 16 páginas, só disponível em galego) descreve as igrejas medievais das freguesias de Bolmente, Canaval, Lóbios, Pinol e Proendos.

  A rica simbologia artística destes monumentos foi analisada pelo escritor e historiador Xosé Lois Garcia no seu recente livro Simboloxia do románico de Sober (em galego), publicado pela Conselharia de Cultura da Junta de Galiza.

     As igrejas medievais de Sober são apenas uma pequena parte do vasto património monumental da Ribeira Sacra, uma região geográfico-cultural formada por vinte concelhos das províncias de Lugo e Ourense que se caracteriza por possuir a maior concentração de arte românica da Galiza. Um mapa editado pelo Ecomuseu de Arxeriz (concelho do Saviñao) indica os principais pontos de interesse deste grande conjunto histórico e artístico, fortemente vinculado à velha tradição vitivinícola local, que já tem sido proposto para a lista do Património Mundial da Unesco.  

Fontes: O Colado do Vento, Ecomuseu de Arxeriz, La Voz de Galicia