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terça-feira, 4 de junho de 2013

Cova Eirós, a pegada mais profunda do homem de Neandertal na Galiza

Escavações na jazida de Cova Eirós (Foto: GEPN / IPHES)

No verão boreal de 2008 foi descoberto no sítio paleolítico de Cova Eirós (no concelho de Triacastela, perto do Caminho de Santiago) o rasto mais importante do homem de Neandertal conhecido até agora na Galiza. Não é esta a primeira jazida do Paleolítico Médio achada no noroeste da Península Ibérica. Anteriormente já foram descobertas algumas indústrias líticas desse período nos concelhos de Cortegada, Toén e Monforte de Lemos. Porém, Cova Eirós apresenta um interesse científico muito maior do que esses outros locais. É a única jazida neandertal galega situada em uma caverna cárstica e contém não só um grande número de artefatos de pedra de várias épocas, como também muitos fósseis de animais e outros restos orgânicos que podem fornecer abundantes informações sobre a tecnologia, os métodos de aprovisionamento e as mudanças climáticas e ambientais da pré-história remota. Também é o único sítio paleolítico do noroeste ibérico onde se conservam pegadas de ocupações dos neandertais e do Homo sapiens moderno, o qual permite comparar as estratégias de sobrevivência e os estilos de vida dessas duas espécies humanas em um mesmo território.

Recriação dos neandertais de Cova Eirós por Xurxo Constela
Em escavações sucessivas realizadas desde então na caverna —no quadro do projeto Ocupações humanas durante o Pleistoceno da bacia média do Minho, em que  colaboram pesquisadores das universidades de Santiago de Compostela e Tarragona— apareceram dois níveis arqueológicos correspondentes a duas épocas diferentes do  Paleolítico Médio, que foram datados com a técnica da termoluminescência do quartzo. Um desses níveis tem entre 84.000 e 87.000 anos. O outro nível, mais profundo, foi datado de 118.000 anos, o que o coloca entre os mais antigos assentamentos do homem de Neandertal registados no norte da península, embora seja muito mais recente do que o da caverna de Letzetxiki, no País Basco, cuja antiguidade remonta a cerca de 300.000 anos.

Ponta de quartzito de tipo Levallois (Foto: GEPN / IPHES)
Nestes dois níveis arqueológicos foram encontrados numerosos artefatos de tecnologia musteriense, a mais caraterística do homem de Neandertal. Um estudo sobre as indústrias do nível mais recente, publicado em 2011 na revista Trabajos de Prehistoria, identificou pontas de projétil utilizadas como armas de caça e diferentes tipos de ferramentas empregadas para despedaçar  animais, cortar e talhar madeira e preparar peles secas para a confecção de vestimentas. As ferramentas do nível mais antigo têm uma feição mais tosca e entre elas há um número muito menor de peças elaboradas com as técnicas Levallois e discoidal, as mais sofisticadas que desenvolveram os neandertais. Os materiais também são de qualidade inferior, com menos presença de quartzitos de granulação fina e abundância de peças grossas de quartzo. Segundo os arqueólogos, isso pode indicar um nível tecnológico menos desenvolvido, mas também pode ser devido a que os grupos que fabricaram tais ferramentas ocuparam a caverna durante períodos mais curtos, gastando menos tempo em procurar materiais de boa qualidade e em fabricar utensílios líticos. Os ocupantes do nível mais recente, pelo contrário, teriam morado no abrigo por longos períodos, seguindo uma estratégia de sobrevivência em longo prazo e dedicando mais tempo à busca de matérias-primas e ao fabrico de utensílios.

Lasca de quartzo de Cova Eirós (Foto: Alberto López - La Voz de Galicia)
Um traço que diferencia as indústrias de Cova Eirós de outros assentamentos neandertais da vizinha Cordilheira Cantábrica é o uso freqüente de quartzo para produzir ferramentas líticas. Nos depósitos da área cantábrica é muito menos comum encontrar peças feitas com essa matéria-prima, mais difícil de talhar do que o sílex e o quartzito, pois o quartzo quebra-se de um modo mais irregular. O uso deste material indica uma adaptação às condições ambientais da região, onde abunda o quartzo, enquanto o sílex não é encontrado de forma natural. Essa particularidade técnica também tem sido observada em certos assentamentos neandertais da região francesa de Midi-Pirineus, onde escasseia o sílex e onde o quartzo foi frequentemente utilizado no fabrico de ferramentas de pedra.
  Nos níveis arqueológicos do Paleolítico Médio de Cova Eirós, juntamente com uma grande quantidade de ossos de animais de várias espécies, apareceram restos carbonizados de materiais vegetais. Os arqueólogos tentam atualmente averiguar se esses resíduos orgânicos são vestígios de fogueiras.

Pingente gravetiano de Cova Eirós (Foto: GEPN / IPHES)
Em Cova Eirós descobriram-se também importantes vestígios de ocupações do Paleolítico Superior. Entre eles figuram as primeiras mostras de indústrias da cultura aurignaciana registadas na Galiza. Nas escavações realizadas em 2009 apareceu o objeto de adorno mais antigo conhecido até hoje no noroeste ibérico. Trata-se de um colmilho de um carnívoro de pequeno porte —provavelmente uma raposa-vermelha— talhado e perfurado para servir como pingente. As datações com carbono-14 atribuíram uma antiguidade de 26.000 anos a esta peça, enquadrada na cultura gravetiana,  assim como outros artefatos descobertos no mesmo nível. Estas são também as primeiras indústrias desse período cultural encontradas na Galiza. A cultura gravetense desenvolveu-se durante uma das fases mais frias da última glaciação. A caverna fica a uma altura de 780 metros acima do nível do mar, perto do límite das geleiras que cobriam nessa época as zonas mais altas das serras orientais galegas. O achado indica que, mesmo nesse periodo de frio extremo, a região ofereceu umas condições ambientais suportáveis para os grupos humanos. Até aí, a ausência de jazidas dessa época fizera supor que o território galego ficara na altura totalmente desabitado.

Uma das pinturas rupestres achadas na galeria interior (Foto: GEPN / IPHES)
Em agosto de 2012, aliás, foi dado a conhecer o achado em Cova Eirós das primeiras mostras de arte parietal paleolítico descobertas na Galiza, um conjunto de pinturas e gravuras localizado em uma galeria interior da caverna. Segundo as estimações dos pesquisadores, algumas dessas manifestações artísticas poderiam situar-se entre os períodos Gravetense e Solutrense —com uma antiguidade aproximada de entre 25.000 e 20.000 anos—, enquanto as outras datariam do período Magdaleniano e poderiam ter entre 15.000 e 10.000 anos.

Escavações na galeria exterior (Foto: Alberto López - La Voz de Galicia)
 Em conjunto, a jazida de Cova Eirós contem a sequência mais completa de assentamentos paleolíticos de diferentes épocas  documentada até agora no noroeste da penísula. Os arqueólogos supõem que a caverna pode conservar também testemunhos de épocas anteriores ao homem de Neandertal. Uma sondagem com georradar indicou que os sedimentos que conformam o solo da cavidade têm uma profundidade de cerca de três metros. As escavaçoes só atingiram até à data uma profundidade de metro e meio e não se sabe ainda o que pode haver nos níveis mais profundos do subsolo. Na atualidade está em processo de produção o primeiro documentário sobre os achados arqueológicos realizados nesta caverna.