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Em dezembro de 1972 e janeiro de 1973, o desenhista, ilustrador e roteirista chileno Luis Ruiz-Tagle publicou na revista Mampato a banda desenhada Puerto de Hambre, que relata a falida tentativa de colonização do estreito de Magalhães empreendida pelo império espanhol no último quartel do século XVI. A obra fazia parte de série Páginas brillantes de nuestra historia, que apareceu na dita revista a partir de abril de 1972. Ruiz-Tagle recriou também este episódio histórico noutra série intitulada Historias magallánicas, publicada pelo diário El Mercurio em 1980.
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Receando
que o reino da Grã-Bretanha alcançasse a estabelecer bases permanentes
na América do Sul e a assenhorear-se da passagem do Atlântico ao
Pacífico, a coroa espanhola resolveu fortificar o estreito de Magalhães e encomendou a Sarmiento de Gamboa a missão de criar uma colónia na região austral. Com esse objectivo, uma frota de 23 navios com cerca de 2.500
pessoas a bordo partiu em setembro de 1581 do porto de Sanlúcar de Barrameda. A expedição
teve que arrostar grandes dificuldades logo desde o início. Tempestades
e pestes dizimaram a frota durante a travessia e os sobreviventes
ficaram isolados por muito tempo na costa do Brasil.
A frota chegou finalmente ao estreito de Magalhães em fevereiro de 1584.
Na altura já restavam só cinco navios e um deles naufragou antes de
tocar terra, perecendo 583 pessoas de todas as idades. Uma tempestade
afastou depois outros barcos, que empreenderam o retorno à Península
Ibérica. Os colonos recém desembarcados dispunham apenas de uma nau, a Santa Maria de Castro.
Em meio de grandes penalidades, os sobreviventes da frota fundaram as povoações de Nombre de Jesús (perto do cabo Vírgenes, na ponta oriental do estreito) e Rey Don Felipe
(na baía San Blas, a poucos quilómetros da atual cidade chilena de Punta Arenas),
habitadas ao todo por 338 homens, mulheres e crianças. Foram as
primeiras colónias europeias no extremo austral do continente. Mas as
circunstâncias em que se levou a cabo a fundação, a escassez dos
recursos com que contavam os moradores e isolamento em que se
encontravam fizeram temer pelo seu futuro já desde o primeiro momento.
Sarmiento rumou para o Brasil à procura de víveres e
reforços para as colónias recém criadas, mas as tempestades impediram-no
de regressar ao estreito nas duas ocasiões em que o intentou. Na
primeira tentativa, a nau Santa Maria afundou-se com toda a sua
carga. Finalmente, em junho de 1586, decidiu retornar à Espanha em
demanda de auxílio. Na travessia foi apresado pela frota de Walter Raleigh e conduzido à Inglaterra. Após de muito porfiar, convenceu a rainha Isabel I para que lhe permitisse voltar à Espanha portando uma mensagem para Filipe II, mas quando atravessava a França foi feito prisioneiro pelos huguenotes, que pediram por ele um pesado resgate. Não foi libertado até dezembro de 1589.
Durante esse tempo, os colonos do estreito ficaram abandonados à sua sorte. Desprovidos de ajuda exterior, contando com meios sumamente precários, cercados de umas terras e um clima muito diferentes dos que conheciam, não foram capazes de desenvolver cultivos nem puderam recorrer com eficácia à pesca ou à caça para garantir-se a subsistência. Careciam dos conhecimentos e das técnicas desenvolvidos durante milhares de anos pelos indígenas para sobreviver naquela remota região. A fome começou a fazer estragos entre eles.
Durante esse tempo, os colonos do estreito ficaram abandonados à sua sorte. Desprovidos de ajuda exterior, contando com meios sumamente precários, cercados de umas terras e um clima muito diferentes dos que conheciam, não foram capazes de desenvolver cultivos nem puderam recorrer com eficácia à pesca ou à caça para garantir-se a subsistência. Careciam dos conhecimentos e das técnicas desenvolvidos durante milhares de anos pelos indígenas para sobreviver naquela remota região. A fome começou a fazer estragos entre eles.
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Em janeiro de 1587, o corsário inglês Thomas Cavendish fundeou na baía San Blas para prover-se de água e lenha. Na cólonia de Rey Don Felipe só havia um punhado de sobreviventes exaustos e dezenas de cadáveres insepultos. Espantado perante o macabro panorama, Cavendish deu ao lugar o nome de Port Famine ou Porto da Fome, que conservou até hoje.
Depois da desgraçada tentativa de colonização -também narrada pelo escritor chileno Reinaldo Lomboy no romance histórico Puerto del Hambre-, os europeus desistiram por muito tempo de se assentarem no inóspito extremo sul do continente. A região não foi realmente colonizada até o século XIX, quando Chile e Argentina já eram estados independentes. Começou então o declínio dos antigos povos fueguinos, que foram levados à beira da extinção no decurso de poucos decénios.